Quando o sol vai caindo sobre as águas
Tu falas de festins, e cavalgadas
Tens cantos d'epopeias?
Donde vem essa voz, ó mar amigo?......
( Fernando Pessoa )
'Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
'Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
'És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Janeiro de 1931
( Fernando Pessoa )
Texto retirado de : http://www.prof2000.pt/users/secjeste/fpessoa/Pg000700.htm
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
( Fernando Pessoa )
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
A Vida
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
'A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
( João de Deus )
'Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo: Vá!
'Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
Vá!
Não tenha medo...
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!
' João de Deus in Campo de Flores'
Texto retirado de : http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809080418
Tic-tac, passa, hora
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Muito cansado
Meu tic-tac
Noite e dia
'Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
'Tocam os sinos na torre da igreja,
'Olha os irmãos da nossa confraria!
'Pelas janelas, as mães e as filhas,
'Com o calor, o Prior aflito.
'Tocam os sinos na torre da igreja,
Aurora boreal
'Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
(António Gedeão
In Movimento Perpétuo, 1956)
Texto retirado de : http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/antonio_gedeao/pedra_filo.html
Thank You!
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